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A História da Capoeira: descubra como essa arte marcial se tornou um símbolo de resistência e de cultura

a história da capoeira

A história da Capoeira já foi motivo de grande controvérsia entre os estudiosos de sua história, sobretudo no que se refere ao período compreendido entre o seu surgimento – supostamente no século XVII, quando ocorreram os primeiros movimentos escravos de fuga e rebeldia – e o século XIX, quando aparecem os primeiros registros confiáveis, com descrições detalhadas sobre sua prática.

Século XVI – A chegada do povo africano ao Brasil

Ao contrário da América Espanhola, o Brasil do século XVI não apresentou grandes riquezas sob a forma de metais preciosos, que só foram descobertos no final do século XVII. Na falta dos metais, foi o açúcar que tornou viável, em termos econômicos, os primeiros passos da colonização.

Se a terra era um fator abundante, o mesmo não acontecia com a mão-de-obra e com os equipamentos necessários à montagem de engenhos, que exigiam grandes investimentos de capitais. Os elementos das classes trabalhadoras europeias, libertos da servidão medieval, não queriam imigrar para a América como simples trabalhadores agrícolas e aqui se defrontarem com a penosa tarefa de desbravar a mata tropical, enfrentar índios e um meio hostil. A mão-de-obra europeia assalariada era muito cara para ser empregada em grande escala nas plantações do Novo Mundo.

A primeira solução para o problema da mão-de-obra foi a escravização dos indígenas, que apresentou muitas dificuldades. Em virtude do tipo de civilização em que se encontrava, o índio brasileiro, ligado à caça, à pesca e à coleta, tinha dificuldades de adaptação ao trabalho agrícola escravo. Além disso, a Igreja Católica, desde o início da colonização, desenvolveu uma política de cristianização, proteção e controle dos indígenas, lutando contra sua escravização pelos colonos.

O problema da mão-de-obra, no Brasil e na América em geral, deu ensejo ao desenvolvimento de um dos mais lucrativos negócios da história, que foi a escravidão negra. Negros aprisionados na África passaram a ser mercadoria importante para a atividade comercial e a servir como força produtora, primeiro na própria Europa, nas ilhas do Atlântico e depois na América colonial.

Para ter o africano como escravo, era necessário suprimir-lhe a cultura – a alma – transformando-o em bicho ou coisa. Suprimiam-lhe o nome tribal, impondo-lhe outro, português; proibiam-lhe a religião ancestral, forçando-o a aceitar a de Cristo. Como isso não bastasse, os brancos escravistas completavam o serviço com a pancadaria, a chibata, o açoite. A pauleira começava desde o momento em que o negro era capturado ou comprado ao soba (os sobas eram chefes tribais que, com a chegada dos europeus à África, a partir do século XV, começaram a capturar escravos negros para trocar com os traficantes brancos por bebidas, armas, panos e enfeites).

Os escravos negros apanhavam durante a longa viagem até o litoral; apanhavam no depósito mantido pelos agentes (pombeiros ou tangomãos, como se chamavam); apanhavam no convés do navio, durante a travessia do Atlântico (que durava cerca de três meses); apanhavam no mercado, à espera dos fazendeiros compradores; e continuavam apanhando durante toda a existência de escravos.

“Não lhe batiam por maldade, embora isso também ocorresse. A finalidade era esvaziá-lo da parte propriamente humana que todos os homens possuem – e são homens propriamente porque a possuem. Assim, coisificado, o negro africano estava pronto para ser escravo.” (Joel Rufino dos Santos – Zumbi, ed. Moderna, 1985)

1548

Começam a ser desembarcados no Brasil os escravos negros, vindos principalmente dos portos de São Paulo, de Luanda, em Angola, e Benguela.

Os escravos negros começaram a ser desembarcados no Brasil por volta de 1548 e, nos três séculos seguintes, seriam predominantemente do tronco linguístico banto, do qual faz parte a língua quimbundo. Esse grupo englobava angolas, benguelas, moçambiques, cabindas e congos. Eram povos de pequenos reinos, com um razoável domínio de técnicas agrícolas; possuíam uma visão muito plástica e imaginosa da vida, e demonstraram ter grande capacidade de adaptação cultural.

Não há indicações seguras de que a capoeira se tenha desenvolvido em qualquer outra parte do mundo além do Brasil.

“A tendência dos historiadores e africanistas, tomando como base poucos e raros documentos conhecidos, é se fixarem como sendo de Angola os primeiros negros aqui chegados, tendo a grande maioria de nossos escravos escoado dos portos de São Paulo de Luanda e Benguela. Ao lado disso, a gente do povo e sobretudo os capoeiras falam todo o tempo em capoeira Angola, especialmente quando querem distingui-la da capoeira Regional. Ora, tudo isso seria um pressuposto para se dizer que a capoeira veio de Angola, trazida pelos negros de Angola.

Mas, mesmo que se tivesse notícia concreta da existência de tal folguedo por aquelas bandas, ainda não seria argumento suficiente. Está documentado e sabido por todos que os africanos uma vez livres e os que retornaram às suas pátrias levaram muita coisa do Brasil, coisas não só inventadas por eles aqui, como assimiladas do índio e do português. Portanto, não se pode ser dogmático na gênese das coisas em que é constatada a presença africana; pelo contrário, deve-se andar com bastante cautela.” 1

1597

“Numa noite qualquer do ano de 1597, quarenta escravos fugiram de um engenho no sul de Pernambuco. Fato corriqueiro. Escravos fugiam o tempo todo de todos os engenhos. O número é que parecia excessivo: quarenta de uma vez. Fora também insólito o que fizeram antes de optar pela fuga coletiva: armados de foices, chuços e cacetes haviam massacrado a população livre da fazenda. Já não poderiam se esconder nos matos e brenhas da vizinhança – seriam caçados furiosamente até que, um por um, tivessem o destino dos amos e feitores que haviam justiçado.

De manhã, certamente, a notícia correria a Zona da Mata – essa formidável galeria verde que, salpicada de canaviais, a uns dez quilômetros do mar, o acompanha sem nunca perdê-lo de vista. Tinham a liberdade e uma noite para agir.

Havia umas poucas mulheres, um que outro velho e diversas crianças, mas o grosso eram pretos fortes, canelas finas e magníficos dentes. Escolheram caminhar na direção do sol poente, um pouco para baixo. Com duas horas compreenderam que jamais qualquer deles havia ido tão longe naquela terra. Mesmo os crioulos, nascidos aqui, desconheciam o pio daquelas aves, nunca tinham visto aqueles cipós. Andaram toda a noite e a manhã seguinte; descansaram quando o sol chegava a pino; contornaram brejos e grotões, subiram penhascos e caminharam, um a um, na beirada de feios precipícios.

Se passou ainda uma noite. Eram observados, mas não tinham qualquer medo de índios. Então, na vigésima manhã se sentiram seguros. De onde estavam podiam ver perfeitamente quem viesse dos quatro cantos; com boa vista se podia mesmo vislumbrar o mar, além das lagoas. A terra, vermelho-escura, esboroava ao aperto da mão. Ouviam águas correndo sobre pedras. E havia palmeiras, muitas palmeiras.

Por que escravos fugiam?

A fuga era a única maneira de recuperarem a sua humanidade – esta é a melhor resposta que conheço.” 2

Assim descreve Joel Rufino dos Santos, em seu livro Zumbi (ed. Moderna, 1985), o episódio que teria dado origem ao quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga (que tem esse nome “talvez por parecer grávida a quem vem de Maceió, pelo Vale do Mundaú”), em Alagoas, onde é hoje o município de União dos Palmares.

Século XVII – Escravos se rebelam e fogem

Ocorrem os primeiros movimentos escravos de fuga e rebeldia. Citam-se (sem muito rigor) relatos sobre as campanhas contra o quilombo de Palmares, na Serra da Barriga (ao sul de Pernambuco, no atual Estado de Alagoas), em que se fazia referência ao modo muito peculiar de lutar dos negros aquilombados, nos confrontos corpo-a-corpo com os invasores brancos.

1630

No topo da majestosa Serra da Barriga, eram já três aldeias muito bem organizadas. Os moradores as chamavam Angola Janga, que no idioma quimbundo significa “Angola Pequena”.

1654

Com a expulsão definitiva dos holandeses, o “grande inimigo externo”, todas as forças da sociedade colonial brasileira se voltaram contra o temível “inimigo de portas adentro”, os negros palmarinos. A partir de então, quase não houve um ano em que não partisse contra eles alguma expedição, vinda de Recife, Porto Calvo, Penedo ou Alagoas. Em geral, eram de iniciativa das autoridades, mas os recursos partiam dos senhores de engenho.

Engenho retratado por Rugendas.

1655

Em algum ponto dos Palmares, nasceu livre a criatura que chamamos Zumbi. Neste ano, um certo Brás da Rocha atacou Palmares e carregou, entre presas adultas, um recém-nascido. Entregou-o ao chefe de uma coluna, e este decidiu presenteá-lo ao cura de Porto Calvo. Padre Melo resolveu chamar o negrinho de Francisco. O menino cresceu junto ao padre, que lhe ensinou português, latim e religião. Numa noite de 1670, ao completar quinze anos, Francisco fugiu.

1670

Zumbi, como agora se chamava o jovem Francisco, chega a Palmares, que, naquela época, eram já dezenas de povoados, cobrindo mais de seis mil quilômetros quadrados. Ganga Zumba, que significa “Grande Chefe”, reinava sobre todos eles.

1672

Zumbi assume o posto de chefe da aldeia mais próxima de Porto Calvo.

1677

O comando geral do exército negro cabia já a Zumbi, promovido de simples chefe de aldeia, após uma série de derrotas humilhantes de Ganga Zumba diante dos soldados de Fernão Carrilho.

1678

Ganga Zumba entra em Recife para ratificar um acordo de paz com o governo. Zumbi, acompanhado dos chefes de mocambo descontentes, marchou contra a aldeia de Macaco, a capital de Palmares, onde se encontrava Ganga Zumba. Este fugiu, com pouco mais de trezentos fiéis, para Cucaú, no sul de Pernambuco, onde o governo colonial lhe reservara terras para viver e cultivar. Entretanto, a paz firmada entre Ganga Zumba e o governador D. Pedro de Almeida não durou dois anos.

1680

Ganga Zumba morre envenenado por adeptos de Zumbi que se infiltraram no Cucaú. O governador de Pernambuco socorreu-o tarde demais, apenas a tempo de executar sumariamente os conspiradores João Mulato, Canhongo e Gaspar. Os sobreviventes da triste experiência da secessão de Palmares foram reescravizados. Durante os quinze anos seguintes, travou-se a guerra total na Zona da Mata, entre Zumbi e o mundo dos senhores de engenho. Cada golpe provocava outro, do lado contrário.

1687

Neste ano, Zumbi fartou-se de derrotar tropas colonialistas, regulares ou não. Invadiu São Miguel, Penedo e Alagoas. Humilhado, o mundo do açúcar resolveu então contratar Domingos Jorge Velho, o caçador de índios, para lutar contra os quilombos.

1693

Foi um ano terrível: com a queda absoluta do preço do açúcar, o ouro da colônia desapareceu quase que completamente, e a inflação explodiu. A seca e a fome, que já penalizavam o sertão, invadiram as cidades. A plebe, os pobres-diabos que viviam imprensados entre a grande fazenda e o governo (únicas fontes de trabalho), ficaram a pão e água. A raiva e o desespero tomaram conta das ruas do Recife.

O governo colonial, preparando-se para uma cruzada definitiva contra o Estado quilombola, explorou então a frustração e a inveja da plebe urbana maltrapilha e faminta: prometeu mundos e fundos a quem participasse da expedição contra os quilombos; esvaziou os presídios, indultando os fora-da-lei; convocou militares vadios da Bahia, da Paraíba e do Rio Grande do Norte. A todos, a propaganda de guerra fez crer que a origem dos males brasileiros era a pátria dos negros.

1694

Em janeiro, uma tropa de nove mil homens se pôs lentamente em marcha, sob o comando de Domingos Jorge Velho, em direção à serra da Barriga. Só na guerra da independência, 130 anos mais tarde, é que se viu um exército maior.


Desenho de Debret que mostra a luta na selva.

Várias tentativas foram feitas pelos invasores para destruir a fortaleza de Palmares, todas elas fracassadas, até que, na madrugada de 6 de fevereiro, conseguiram finalmente romper a paliçada a golpes de canhão e penetrarem o reduto dos palmarinos. Em sua fúria, a multidão de índios, mamelucos e soldados não deixou nada de pé ou inteiro.

Na beira do abismo, do lado ocidental da fortificação, restou uma passagem que o inimigo não teve tempo de fechar. Por ali saiu um grupo grande de guerreiros, dispostos a recomeçarem a guerra depois, quando se recompusessem. Quando passavam os últimos, rolaram pedras, e os mamelucos abriram fogo sobre eles. Na confusão que se seguiu, perto de duzentos guerreiros palmarinos despencaram no abismo.

Por muito tempo, acreditou-se que Zumbi, num impressionante gesto de orgulho, precipitara-se do alto da serra. Até recentemente, essa era a lenda. “Por que se acreditou tanto tempo nessa mentira? (…) Uma coisa é certa: a legenda do herói étnico que prefere a morte ao cativeiro fascina nossas mentes, charme indiscutível do ‘último dos moicanos’.”

Zumbi foi um dos últimos a sair, postado na retaguarda da coluna de guerrilheiros que deixou Palmares na madrugada de 6 de fevereiro de 1694. Escapou com vida. Depois, dividiu seus homens (cerca de mil) em bandos, e voltou à guerrilha.

1695

Zumbi é morto em uma emboscada. O chefe de um de seus bandos, Antônio Soares, fora emboscado e preso, passando a cooperar com as forças coloniais em troca da vida e da liberdade.

“Zumbi confiava em Soares, e quando este lhe meteu a faca na barriga se preparava para um abraço. Seus olhos devem ter brilhado, então, de estupor e desalento. Seis guerrilheiros apenas estavam com ele naquele momento – cinco foram mortos imediatamente pela fuzilaria que irrompeu dos matos em volta. Zumbi, sozinho, matou um e feriu vários. Foi isso nas brenhas da serra Dois Irmãos, por volta de cinco horas da manhã de 20 de novembro de 1695.” 3

O excelente livreto Zumbi, de Joel Rufino dos Santos – São Paulo: Ed. Moderna, 1985, serviu de base ao texto sobre Palmares.

1696

São descobertos os primeiros veios auríferos. Começa no Brasil a atividade da mineração.

Século XVIII – Capoeira no Vocábulo Português

1702

Começa no Brasil a atividade cafeeira, com a plantação das primeiras mudas de café por Palheta no Rio de Janeiro, no vale do Paraíba, dirigindo-se daí para São Paulo. No século XVIII, além do açúcar e da recém-implantação da cafeicultura e da mineração, começa efetivamente, com o crescimento das cidades, a vida urbana, surgindo então um outro tipo de escravidão: o escravo doméstico. A partir daí, a alforria começa a ser amplamente disseminada. A presença do negro, sua contribuição para a civilização brasileira, torna-se marcante, não só nas senzalas das plantações ou na mineração, mas também nas cidades, no comércio, nos mercados e nas praças públicas.

1712

Pela primeira vez é registrado o vocábulo capoeira, no Vocabulário Português e Latino, de Rafael Bluteau, mas os significados do termo não se referem à luta.

Não há praticamente registros sobre a história da capoeira no século XVIII. É comum imaginar-se a capoeira nascendo e crescendo no ambiente rural, mas talvez tenha sido nas cidades, onde circulava livremente um grande número de libertos e “negros de ganho” (escravos que por conta própria exerciam alguma atividade e que ao fim do dia tinham de entregar uma quantia prefixada a seu proprietário), que esse processo de crescimento e transformação foi mais expressivo.

Século XIX – Abolição da escravatura

1809

Um ano após a chegada de D. João VI, criou-se a Secretaria de Polícia e foi organizada a Guarda Real de Polícia, sendo nomeado para sua chefia o major Nunes Vidigal, perseguidor implacável dos candomblés, das rodas de samba e especialmente dos capoeiras, “para quem reservava um tratamento especial, uma espécie de surras e torturas a que chamava de Ceia dos Camarões”.

O major Vidigal foi descrito como “um homem alto, gordo, do calibre de um granadeiro, moleirão, de fala abemolada, mas um capoeira habilidoso, de um sangue-frio e de uma agilidade a toda prova, respeitado pelos mais temíveis capangas de sua época. Jogava maravilhosamente o pau, a faca, o murro e a navalha, sendo que nos golpes de cabeça e de pés era um todo inexcedível”.

1813

Moraes, na segunda e última edição que deu em vida de sua obra, Diccionario da Língua Portugueza, inclui também o vocábulo capoeira. Após isto, o termo entrou no terreno da polêmica e da investigação etimológica, envolvendo nomes como os de José de Alencar, Beaurepaire Rohan e Macedo Soares.

1821

Em carta dirigida ao ministro da Guerra, a Comissão Militar do Rio de Janeiro reclamava dos “negros capoeiras, presos pelas escolas militares, em desordens”, e reconhecia “a necessidade urgente de serem eles castigados pública e peremptoriamente…”.

1826

O francês Debret retratou o Tocador de berimbau.


“O velho Orfeu Africano – urucungo”, aquarela de Debret.

1828

Vez por outra, os capoeiras, freqüentemente chamados de desordeiros, assumiam o papel de heróis, como aconteceu no caso da revolta dos batalhões mercenários (irlandeses e alemães), que abandonaram seus quartéis (no Campo de Santana, São Cristóvão e Praia Vermelha) e promoveram uma carnificina, matando e saqueando. Conta J. M. Pereira que os “sublevados foram atacados por magotes de pretos denominados capoeiras, travando com eles combates mortais

1830

O alemão Rugendas, no livro Voyage Pittoresque et Historique dans le Brésil, retrata pela primeira vez o jogo de capoeira, em sua gravura Jogar capoeira ou Danse de la guerre.

“Jogar Capoeira ou Danse de Guerre”, quadro de Rugendas,
a mais antiga reprodução gráfica do jogo da Capoeira.

Eis as palavras de Rugendas:

“Os negros têm ainda um outro folguedo guerreiro, muito mais violento, a capoeira: dois campeões se precipitam um contra o outro, procurando dar com a cabeça no peito do adversário que desejam derrubar. Evita-se o ataque com saltos de lado e paradas igualmente hábeis; mas, lançando-se um contra o outro mais ou menos como bodes, acontece-lhes chocarem fortemente cabeça contra cabeça, o que faz com que a brincadeira não raro degenere em briga e que as facas entrem em jogo, ensangüentando-a.”

1850

Data da abolição do tráfico negreiro, com a publicação da Lei Eusébio de Queirós.

1880

Surgem várias sociedades antiescravistas, unificadas em 1883 pela liderança nacional da Confederação Abolicionista. Algumas sociedades, como a dos Caifazes de Antônio Bento, propunham-se a realizar ações violentas: surrar capitães-do-mato, promover fugas das fazendas, criar quilombos. Os argumentos dos abolicionistas eram variados e incontestáveis, deixando bem claro que a escravidão era um entrave ao desenvolvimento do país, pois impedia o crescimento do mercado, a evolução das técnicas, corrompia o trabalho, a moral e a família.

Um capitão-do-mato, negro, retratado
por Rugendas.

1886

Plácido de Abreu Morais publica o romance Os Capoeiras, que focaliza os rituais inerentes à capoeiragem no Rio de Janeiro. No preâmbulo do romance, o autor transcreve um vocabulário da gíria que vigorava àquele tempo. Em nosso Dicionário da Capoeira, incluímos este vocabulário.

1888

Abolição da escravatura. Ex-escravos capoeiristas, não encontrando lugar na sociedade, caíram na marginalidade, levando consigo a história da capoeira. Na verdade, o período de marginalidade da capoeira começou muito antes, com a nomeação em 1809 do major Vidigal para a Guarda Real de Polícia, e paralelamente aos primeiros decretos (1814) que proibiam de um modo geral as manifestações negras.

Instituída a Guarda Negra, arregimentada secretamente pelo Visconde de Ouro Preto, composta quase toda de capoeiras ou navalhistas e caceteiros, ao soldo do governo.

1889

Proclamação da República, a 15 de novembro.

1890

Entra em vigor o Código Penal da República, que coloca a capoeira na ilegalidade. Doravante, “Fazer nas ruas e praças públicas exercícios de agilidade e destreza corporal conhecida pela denominação de capoeiragem” acarretava pena de reclusão de dois a seis meses, constituindo circunstância agravante pertencer a alguma malta ou bando; “aos chefes ou cabeças”, a pena seria imposta em dobro. Os reincidentes poderiam ter pena de até três anos; se fosse estrangeiro o capoeira, seria deportado após cumprir pena.

1897

O general Couto de Magalhães, ilustre etnógrafo brasileiro, diz, referindo-se à capoeira: “este modo de lutar é também aborígene, e, longe de ser perseguido, como é, devia ser dominado, regularizado em nossas escolas militares, porque um bom capoeira é um homem que equivale a dez homens … Somos, não europeus ou africanos, e sim americanos, pelo sangue, inteligência, moralidade, língua, superstições, alimento, dança e lutas físicas”.

Século XX – Ápice da perseguição policial contra os capoeiristas

1901

Alberto Bessa, em A Gíria Portuguesa, define a capoeira como “jogo de mãos, pés e cabeça, praticado por vadios de baixa esfera (gatunos)”.

1910

Revolta da Chibata, motim negro ocorrido em quatro navios, na Baía de Guanabara, Rio de Janeiro, contra o suplício e a tortura ainda existentes na Armada, vestígios da mentalidade oligárquica escravista.

Em Salvador, desde a década de 1910, ocorre a criação de “escolas de capoeira”, evidentemente clandestinas. No Rio, na mesma época, os capoeiristas cariocas também possuíam espaços reservados ao treinamentos da luta, alguns deles freqüentados inclusive pela fina-flor da elite, segundo o testemunho de Inezil Penna Marinho:
“Aqui no Rio, Sinhozinho mantém uma academia no Ipanema, destinada aos moços grã-finos que desejam ter algum motivo para se tornar valentes”.

1912

Chega a “hora final” para as maltas do Recife, coincidindo com o nascimento do frevo; o passo, que é a movimentação do frevo, é filho da capoeira; como nos conta Edison Carneiro (Cadernos de Folclore, 1971), “a hora final chegou para as maltas do Recife mais ou menos em 1912, coincidindo com o nascimento do frevo, legado com a história da capoeira (melhor diria ‘o passo’, que é a dança; o frevo é a música que o acompanha).

As bandas rivais do Quarto (4o. Batalhão) e da Espanha (Guarda Nacional) desfilavam no carnaval pernambucano protegidas pela agilidade, pela valentia, pelos cacetes e pelas facas dos façanhudos capoeiras que aos saracoteios desafiavam os inimigos: ‘Cresceu, caiu, partiu, morreu!’ A polícia foi acabando paulatinamente com os moleques de banda de música e com seus líderes, Nicolau do Poço, João de Totó, Jovino dos Coelhos, até neutralizar o maior deles, Nascimento Grande”.

Entre 1920 e 1927

Sob a administração do temido delegado de polícia Pedro de Azevedo Gordilho, lembrado pela memória popular da capoeira e do candomblé baianos como “Pedrito”, intensificou-se a perseguição aos capoeiras na Bahia. Além do toque de berimbau chamado Cavalaria que, ao simular o tropel dos cavalos, denunciava a aproximação do conhecido Esquadrão de Cavalaria da polícia, a memória dessa perseguição está presente ainda hoje na seguinte cantiga, coletada por Waldeloir Rego:

“Toca o pandeiro,
Sacuda o caxixi
Anda depressa
Qui Pedrito
Evém aí”

As primeiras décadas do século XX marcam o ápice da perseguição policial movida contra os capoeiristas da Bahia. Quando Manoel dos Reis Machado (o mestre Bimba) começou a aprender capoeira, na Estrada das Boiadas, bairro da Liberdade, em Salvador, a história da capoeira no Brasil ainda enfrentava acirrada perseguição, conforme contava o próprio Bimba:

“Naquele tempo, capoeira era coisa para carroceiro, trapicheiro, estivador e malandros. Eu era estivador, mas fui um pouco de tudo. A polícia perseguia um capoeirista como se persegue um cão danado. Imagine só, que um dos castigos que davam a capoeiristas que fossem presos brigando era amarrar um dos punhos no rabo de um cavalo e outro em cavalo paralelo. Os dois cavalos eram soltos e postos a correr em disparada até o quartel. Comentavam até, por brincadeira, que era melhor brigar perto do quartel, pois houve muitos casos de morte. O indivíduo não agüentava ser arrastado em velocidade pelo chão e morria antes de chegar ao seu destino: o quartel de polícia”.

Foi nesta época que ocorreu o grande salto para a história da capoeira. Insatisfeito com o preconceito e a marginalização que a envolviam, mestre Bimba decidiu criar uma variação da capoeira, e a chamou de Luta Regional Baiana.

Preocupado com a eficiência combativa da nossa arte-luta que, segundo ele, vinha sendo dissipada e perdida pela ação do turismo (os capoeiristas envolviam-se muito àquela época com apresentações para turistas, e a capoeira foi se transformando em show de acrobacias e mandingagens, afastando-se de seu sentido original), Mestre Bimba, preservando a movimentação original e os antigos rituais, introduziu modificações baseadas em golpes de jiu-jitsu, da luta greco-romana, do boxe e principalmente do batuque (luta de origem africana muito praticada na Bahia).

Como conta o Ten. Esdras Magalhães dos Santos (Mestre Damião), discípulo de Bimba e precursor da capoeira paulista:

“na criação da Luta Regional houve a colaboração de Cisnando Lima, cearense ‘arretado’, profundo conhecedor de jiu-jitsu, boxe, luta greco-romana (…). Cisnando transmitiu a Bimba os seus conhecimentos, aos quais o Mestre associou golpes do batuque para elaboração da nova modalidade esportiva.

Decânio (Mestre Decânio, o mais idoso aluno vivo do Mestre Bimba) acentua, no entanto, que apesar de Cisnando apresentar os golpes e contragolpes daquelas lutas, a decisão final da conveniência ou não da inclusão dos mesmos na Luta Regional Baiana sempre foi do Mestre.”

(Esdras Magalhães dos Santos – Mestre Damião –, Conversando sobre Capoeira…, ed. do autor).

As inovações de Mestre Bimba, ainda que tenham atingido os objetivos a que se propunham, isto é, conferir maior eficiência combativa à nossa arte-luta, e promover o seu reconhecimento social, geraram grande polêmica no seio da comunidade capoeirística; muitos encararam-nas injustamente como uma descaracterização com a história da capoeira. O debate dura até hoje, exibindo posições variadas. Parece-nos que a tensão gerada entre as duas “modalidades” de capoeira é salutar: devemos, sim, preservar sempre as tradições, sem no entanto nos fecharmos às inovações que representem real evolução.

1932

Mestre Bimba funda, em Salvador, no Engenho Velho de Brotas, a primeira academia de capoeira registrada oficialmente, com o nome de “Centro de Cultura Física e Capoeira Regional da Bahia”.

1937: Mestre Bimba (Manuel dos Reis Machado, 1900-1974), um dos “heróis culturais” com a história da capoeira brasileira, consegue licença oficial que o autoriza a ensiná-la no seu “Centro de Cultura Física e Capoeira Regional”, num período em que o Brasil caminhava para o pleno regime de força e que as leis penais consideravam os capoeiristas como delinqüentes perigosos.

Qualificando o ensino de sua capoeira como ensino de educação física, a então Secretaria da Educação, Saúde e Assistência Pública expediu certificado de registro à academia de capoeira de Mestre Bimba, a primeira do gênero, a 9 de julho de 1937. A partir daí, a capoeira sairia das ruas e passaria a ser praticada no interior das “academias”, como ficariam conhecidas as escolas de capoeira.

1939

Mestre Bimba começou a ensinar Capoeira no quartel do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR) de Salvador, no Forte do Barbalho, onde trabalhou por três anos.

1941

Mestre Pastinha (Vicente Ferreira Pastinha) funda também sua academia, o “Centro Esportivo de Capoeira Angola”, hoje localizada ao Largo do Pelourinho nº 19, e dirigida por Mestre Curió, seu discípulo. Naquele tempo, como ainda hoje, a história da capoeira era ensinada como nas outras academias de capoeira angola, isto é, por via oral, à excessão da academia de Mestre Bimba.

1948

No mês de dezembro, desembarcam em São Paulo os pioneiros da capoeira neste Estado, Esdras Magalhães dos Santos (Damião), Manoel Garrido Rodeiro (Garrido) e Fernando Rodrigues Perez (o respeitado Perez da capoeira baiana), formados e especializados pelo Mestre Bimba no Centro de Cultura Física e Luta Regional, do Maciel de Cima (em Salvador).

Vieram preparar a vinda do “Rei da Capoeira” à terra paulista, para mostrar aqui a luta genuína brasileira. Logo depois, ainda em dezembro, chegou a São Paulo o próprio Mestre Bimba, acompanhado de seus alunos Brasilino, Clarindo, Adib, Jurandir e Edevaldo, que se juntaram aos três primeiros. Ralf Zumbano intermediou os entendimentos com seu tio, o argentino (naturalizado brasileiro) Kid Jofre, pai do “Galo de Ouro”, Eder Jofre, este campeão mundial de boxe em duas categorias (dos galos e dos penas), para que os capoeiras começassem a treinar em sua academia de boxe.

Os “meninos de Bimba” fizeram duas apresentações em fevereiro e duas em março de 1949, disputando noitadas de vale-tudo com os melhores lutadores paulistas da modalidade: Duro, Menezes, Godofredo, Evaldo, Cabrera, Flávio, Canuto, Arapuã e Nagashima (jiu-jitsu). Em seguida, participaram de temporada no Rio de Janeiro, enfrentando lutadores locais em combates “pra valer”. As apresentações, tanto em São Paulo quanto no Rio de Janeiro, tiveram um sucesso estrondoso.

1950

No segundo semestre, o atual Mestre Damião (Esdras Magalhães dos Santos) retornou à capital paulista, para fazer o curso de sargentos especialistas da Aeronáutica, no Campo de Marte. Durante dois anos (1950/51) ele deu aulas de capoeira para cerca de cinqüenta alunos, na academia de Kid Jofre. Os primeiros foram Renato Bacelar (advogado), Martinho Luthero dos Santos (professor, irmão de Damião) e seus amigos Walter Grossman, Hamilton e Waldemar.

1953

Mestre Bimba e seus alunos exibem-se, no Palácio do Governo, em Salvador, a convite do então governador da Bahia Juracy Magalhães, na presença do Presidente da República, Getúlio Vargas, que teria dito, na ocasião: “A Capoeira é o único esporte verdadeiramente nacional”. A partir daí, a história da capoeira passou a ser mais valorizada e a ter acesso a exibições em clubes, escolas, teatros, começando a ganhar apoio de políticos, intelectuais, artistas e do povo em geral. Porém, o capoeira, como indivíduo, continuou sendo vítima dos preconceitos da sociedade. O preconceito só começou a desaparecer a partir da década de 60, quando a história da capoeira começou a trilhar novos caminhos.

1955

Realização da primeira apresentação de Capoeira pela televisão; apresentaram-se os dois irmãos – Esdras Magalhães dos Santos (Mestre Damião) e seu discípulo Martinho Luthero dos Santos, na TV Tupi (Canal 4), dos Diários Associados, em entrevista conduzida pelo jornalista José Carlos de Morais, conhecido como “Tico-Tico”.

1957

A partir de maio, na mesma academia de Kid Jofre, o jornalista Augusto Mário Ferreira, recém-formado por Mestre Bimba (que lhe deu o apelido de Guga), deu continuidade ao curso iniciado por Mestre Damião, até 1959, auxiliado pelo professor Martinho Luthero dos Santos. Prepararam um grupo de quase vinte praticantes, que não chegaram à formatura em razão apenas da impossibilidade material de trazer o Mestre Bimba mais uma vez a São Paulo. O curso dissolveu-se.

No final da década de 50, José de Freitas, capoeirista de Alagoinhas/BA, chega à capital paulista, e começa um curso numa academia de lutas do bairro do Brás. Pouco tempo depois, um alfaiate carioca, auto-intitulado Mestre Valdemar Paulista (não confundir com o homônimo de Salvador), ou Valdemar Angoleiro, auxiliado por seu irmão, Durvaltércio Alves dos Santos (conhecido depois como Mestre Bolinha), abriu a primeira academia de fato, num casarão decadente da Rua Bela Cintra (hoje demolido).

1966

Chegam a São Paulo Reinaldo Ramos Suassuna, baiano de Itabuna (celeiro de bambas) e Antônio Cardoso Andrade, também baiano, de Alagoinhas. Aqui, fizeram amizade com Dejamir Pinatti, paulista de Orlândia. Este último cedeu uma área descoberta nos fundos de sua residência, na Vila Mariana, para que Suassuna e Brasília começassem a ensinar capoeira. Nasceu ali a primeira academia em São Paulo registrada em cartório, a Academia de Capoeira Regional de Elite de São Paulo (ACRESP).

1967

O jornalista Augusto Mário Ferreira (Guga) patrocinou a abertura do Centro de Capoeira Ilha de Maré, na Rua Augusta, colocando ali como instrutor Paulo Gomes da Cruz, capoeirista baiano, que aprendera a jogar com Mestre Artur Emídio, no Rio de Janeiro.

No mesmo ano, o professor Martinho Luthero dos Santos vai a São José dos Campos para visitar seu irmão Esdras (Mestre Damião) e informar-lhe, “cheio de uma euforia sem precedentes”, que a história da capoeira começava a proliferar em São Paulo mediante a instalação de academias. Destacou com grande entusiasmo o nome da Academia Cordão de Ouro, de Mestre Suassuna (Suassuna e Brasília já haviam fundado a Associação de Capoeira Cordão de Ouro, e mantinham academia num velho casarão da Av. Angélica). Anunciava-se ali uma parceria que alastraria a capoeira por todo o Estado de São Paulo.

1968

Os mestres Suassuna e Brasília transferem sua academia para a Rua das Palmeiras; inicia-se ali a fase conhecida como a do “Consulado Nordestino”. Mestres e praticantes vindos principalmente da Bahia são ali recebidos, hospedados e auxiliados (às vezes até financeiramente) pelo Mestre Suassuna. Realizam-se as mais espetaculares rodas de capoeira de que se tem notícia em São Paulo.

1973

Foi preciso esperar até 1973 para que as nossas autoridades reconhecessem finalmente a capoeira como atividade desportiva e traço vigoroso do complexo cultural que contribuiu para a nossa formação. Desde então, com sua progressiva institucionalização, vem a história da capoeira se desenvolvendo de forma irrefreável, elevando o seu nível técnico, revelando sua enorme vocação social, como instrumento de educação para a cidadania, na inserção social de crianças carentes e marginalizadas, na reabilitação de deficientes físicos e mentais, em programas de atividades para a terceira idade, nos clubes, nas escolas de 1o., 2o. e 3o. graus, em programas de fisioterapia e até de psicoterapia, no treinamento e preparação de atletas de outras modalidades esportivas, etc…

1993

Por influência de intelectuais e capoeiristas, foi efetivada a criação da Associação Brasileira de Capoeira Angola (ABCA), que funciona hoje no casarão amarelo da Rua Gregório de Mattos, no Centro Histórico de Salvador/BA. Teve como primeiro presidente Mestre João Pequeno de Pastinha, e da primeira diretoria faziam parte também os mestres Moraes, Cobrinha Mansa, Jogo de Dentro e Barba Branca.

2000

A Capoeira começa a ser divulgada na Internet. Em maio, estréia o site Capoeira do Brasil, com uma proposta abrangente, de dedicar-se não apenas a um grupo em particular, mas à história da capoeira em geral.

 

1. (Waldeloir Rego – Capoeira Angola)
2. Joel Rufino dos Santos, em seu livro Zumbi (ed. Moderna, 1985)
3. Livreto Zumbi, de Joel Rufino dos Santos - São Paulo: Ed. Moderna, 1985

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